AS ESTRELAS AINDA BRILHAM NO CÉU
A batida foi violenta. Arremessou-me a uma longa distância. Não teve jeito! Eu vinha na contramão e só percebi que estava errado quando me deparei com um carro em minha direção. Foi tudo muito rápido, pensei que daria para evitar, mas é tudo realmente muito rápido. De noite, a luz ofusca a visão quando é preciso realizar uma manobra mais radical. Minha distração foi em razão de estar ouvindo uma música num volume muito alto, com fone de ouvido e com o capacete de viseira aberta. Viajei naquela canção e saí do meu traçado numa reta longa. Aquele carro vinha com os faróis apagados, não sei porque o motorista fez aquilo. Eu estava a uns 100 quilometros mais ou menos. É impressionante como nos distraimos dirigindo. As frações de segundo determinam nossa sorte e, se não estivermos atentos como se deve, acontece. Já havia ouvido e visto muita coisa nesse nosso trânsito e, pensava sempre que esse tipo de descuido não aconteceria comigo. Julgava ser um absurdo alguém conseguir se acidentar daquele jeito e sempre dizia que acidentes só aconteciam com quem não sabia dirigir. Na hora, não sentimos nada do impacto. Se sobrevivemos, no segundo seguinte é que nos damos conta de que alguma coisa anda errada. A dor vem logo depois, fulminante, percorrendo todo o corpo, abalando todos os sentidos. Voei por um tempo e ao cair não tive nenhuma possibilidade de me proteger de nada. Apenas cai. Depois de percorrer uns 30 metros me virando no asfalto, fiquei de barriga para cima, imóvel. Um silêncio total me envolveu. Foram instantes de medo, não tinha mais a noção do que estava acontecendo. E então, ao abrir os meus olhos, vi no céu uma paisagem maravilhosa. Algo que não via há muitos anos, pois havia perdido a correspondência das minhas emoções, a minha ligação com as coisas ao meu redor, o significado dos pequenos detalhes, a sensibilidade para conectar-me ao belo. A distância dos valores da vida que eu havia abandonado era maior do que a daquelas estrelas. Ali, caído no asfalto, admirei a beleza do brilho delas, o lugar de cada uma no esquadro negro da noite, o silêncio do piscar das pequenas e distantes estrelas que não via há muitos anos, pelo simples desinteresse de olhar para o céu. Silenciosas, pareciam insistir em clarear o negrume da noite, para torná-la mais bela. Nesse breve instante, pude concluir que o meu descuido já existia há muito tempo e, redescobri que as estrelas ainda brilham no céu. Meus olhos então se fecharam, para sempre.
Gostei do texto!
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